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Capítulo 2

     Expirei, sentindo um cansaço típico. Mas, considerando que eu não dormia bem à noite, não era uma exaustão estranha para mim. Ela era minha companheira já há algum tempo. Izabelle me olhava com expectativa, e apenas concordei com a cabeça. Peguei minha mochila cinza e coloquei nas costas. Não era pesada. Já a mochila de Iza, estampada com girassóis, era muito pesada, e eu não entendia porquê ela insistia em levar tanta tralha para as aulas. Peguei a mochila dela da cadeira do restaurante universitário e a carreguei. Se eu desse sorte, o professor faltaria à aula. E isso não era difícil de acontecer.

     Atravessamos o campus movimentado e chegamos ao nosso prédio. Subi cada degrau da escada sentindo um tremor nas pernas, sequela da minha "queda" do sexto andar. Foi dessa forma que o acontecimento, ou melhor, que o "acidente" ficou conhecido. Mesmo assim, no curso de Administração, fui apelidado de o garoto quebrado. Meu corpo sofreu demais com o impacto quando encontrei o chão depois de "voar", e ainda andava mancando.

     — Você fez o trabalho pra entregar, né?

     Confirmei. Mesmo se não tivesse feito, suspeitava que minha amiga tiraria magicamente da mochila um trabalho extra pra me dar. Essa ajuda o tempo todo me irritava um pouco, apesar de eu entender.

     — O terapeuta disse que tenho que ter rotina, cumprir com minhas responsabilidades e tentar levar um dia de cada vez.

     — Pois acho que ele está certíssimo.

     — Eu não disse o contrário — pontuei.

     — Mas também não concorda, concorda??? — minha amiga me pressionou, sentando na cadeira ao meu lado na sala de aula. A gente sentava no fundo desde sempre, evitando contato visual com qualquer professor e, consequentemente, ser chamado para responder alguma pergunta.

     — Só... não faz sentido. O que eu tô fazendo aqui, Iza?

     — Você veio assistir a aula!

     Revirei os olhos, pois ela não entendia. Izabelle não buscava refletir sobre a vida e as questões que a rodeavam. Ela sequer pensava no futuro! Quando eu lhe perguntava o que ela tinha planejado, respondia "curtir as férias, ir pra praia". E eu a invejava nesse sentido. Queria ser como ela e conseguir não ter preocupações.

     — Tô dizendo... o que eu tô fazendo aqui nesse mundo? Não sirvo pra muita coisa, não tenho pais que se preocupam comigo, minha única amiga é você, não tem nada que eu me orgulhe de produzir... Não vejo sentido, sabe? Tô ocupando espaço aqui, vivendo por viver.

     — Guga, pare. Pare agora. Você sabe que tem que tentar controlar seus pensamentos ou eles acabam te dominando. O professor chegou, vê se anota o assunto.

     Respirei fundo, virando-me pra frente e encarando o quadro branco em que o professor já tinha começado a anotar o conteúdo. O piloto azul falhava, deixando o texto difícil de ler, ainda mais com aquela letra quase indecifrável.

     Talvez a vida fosse como aquele piloto azul. No começo, a tinta sai forte e inabalável, e escrever a própria história é empolgante. Depois, com o tempo, a tinta do piloto vai se esgotando, como a vitalidade de algumas pessoas. Elas vão desistindo de suas ambições, de seus anseios e desejos profundos e dos seus sonhos. No final, na velhice, restam apenas alguns rabiscos no quadro da vida, que o tempo logo trata de apagar.

     O terapeuta tinha me feito perceber que não ter ambições era um dos motivos que me fazia levar a vida como uma folha seca e murcha, sem destino, sendo levada pelo vento pra qualquer canto. Eu não tinha um sonho propriamente dito e, se tivesse, provavelmente não seria capaz de conquistá-lo. Quando disse isso, o terapeuta não demorou a rebater que aquela percepção de incapacidade que eu tinha era insegurança. Olhei para ele pacientemente, refletindo se valia a pena estar ali para ouvir coisas que eu já sabia. Eu queria as soluções!!!

     Não queria me sentir mal, não queria achar que era incapaz nem ter tantos pensamentos perturbando a minha mente! Ninguém escolhe ficar ou ser triste. Queria ser saudável e feliz, apenas não sabia como. As soluções que encontraram foram os remédios e a terapia. E depender de pílulas para sobreviver não era animador.

     — Vou entregar as provas agora. Quem tiver qualquer dúvida sobre a nota, diga em voz alta que vamos revisar tudo.

     Izabelle e eu trocamos um olhar. Podíamos ter milhares de dúvidas, mas não diríamos absolutamente nada. Eu não tinha ideia de onde vinha esse receio e essa vergonha, como se o professor fosse nos humilhar se perguntássemos algo estúpido. Sabíamos que isso provavelmente não aconteceria, mas, ainda assim, preferíamos ficar quietos.

     Prestei atenção à careca brilhante do professor conforme ele entregava as provas. Izabelle abriu um sorriso lindo ao receber a dela e senti minha pulsação acelerar um pouco.

     Quatro!!! Simplesmente não acreditei quando peguei a prova de Gestão Financeira e Orçamentária e tinha um 4 rabiscado num círculo vermelho.

     Pisquei, espantado e sem reação. Olhei para o professor se afastando e não consegui chamá-lo de volta. Se eu quisesse contestar minha nota, precisaria falar diante da sala toda.

     — Que foi, Guga? Que cara é essa?

     — Tirei 4. Eu tinha estudado pra essa prova. Não sei o que aconteceu. — Iza esbugalhou os olhos, pegando o papel de cima da minha carteira e investigando de imediato. — Você tirou quanto?

     — Tirei 8,5 — respondeu num murmúrio, sem olhar pra mim. — Você deixou uma questão em branco aqui. E não respondeu nenhuma do verso da folha!

     — Verso da folha??! — Inquiri, confuso, tomando o papel de volta. Realmente havia questões no verso. — Eu não tinha visto...

     — Precisa prestar mais atenção. Sabe responder todas essas, não sabe? Perdeu ponto de graça.

     Respirei fundo, frustrado. Eu sabia responder, sim, mas não tinha feito isso porque simplesmente não tinha visto as perguntas. Nunca tinha sido a pessoa mais atenta do mundo, mas esse tipo de descuido não costumava acontecer, era outro nível de distração.

     — Talvez os remédios estejam te deixando mais... lerdinho, aéreo — opinou Iza, praticamente tirando as palavras da minha boca.

     — Como vou dizer pra minha tia que vou ter que repetir essa matéria de novo?

     — Calma, o semestre ainda não acabou. Dá tempo de você recuperar!

     Balancei a cabeça em negação, ainda que quisesse ser tão otimista quanto ela.

     — Escuta, podemos estudar depois das aulas. Você consegue aprender tudo se a gente ficar na biblioteca até mais tarde.

     — Você sabe que não devemos ficar até muito tarde nesse campus. Deveríamos andar em bando pra evitar assaltos e tal e nem isso a gente faz. Não é seguro.

     — É, tem razão. Só tô querendo ajudar... 

     — Eu sei. Obrigado. Não tenho ideia do que vou fazer sobre essa faculdade, muito menos sobre essa matéria. Às vezes, só tenho vontade de jogar tudo pro alto.

     Iza franziu os lábios, mas reprimiu a crítica que eu sabia estar na ponta da sua língua. Em vez disso, perguntou:

     — E agora?

​

O que Gustavo deve fazer?

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