

Capítulo 3
— Agora... vou tentar me recuperar desse prejuízo.
— Quer ajuda pra estudar?
— Você já tem suas coisas pra fazer, Iza, não quero te dar nenhum trabalho.
— Somos amigos, caramba, para de achar que sempre tá me atrapalhando.
Forcei um sorriso amarelo, mais sem graça que as flores favoritas dela: girassóis. Não via muita beleza naquelas flores, mas Iza amava. Ela dizia que pareciam o sol. Então, em todo aniversário dela eu a presenteava com um buquê de girassóis, mesmo achando o preço absurdo.
Que tipo de amigo dava flores de presente? O tipo que era apaixonado, exatamente. Izabelle fazia minha pulsação acelerar desde sempre, mas nunca contei isso a ela.
— Amigos, é claro — repeti a palavra tentando tirar o desgosto da minha voz. — Tudo bem, me ajude a estudar, então.
— Beleza! Chego na sua casa lá pelas oito da noite, ok?
Assenti, dobrando minha prova e enfiando na mochila.
***
Depois de quase uma hora no engarrafamento, cheguei em casa. Eu não entendia porquê, com tanta evolução tecnológica e com todos os avanços digitais que a humanidade tinha dia após dia, as coisas não funcionavam de maneira mais prática. Eu podia fazer faculdade EAD, economizar um tempo enorme, além do valor das passagens, mas não teria o "prestígio" de uma faculdade presencial. Esse tipo de coisa me revoltava. Independente da forma de estudo escolhida, o que deveria importar era o desempenho de cada um, e não a porra de um nome, uma marca.
— Oi, Guga. Boa noite, meu filho.
— Oi, mãe. Cheguei. Ufa.
Eu chamava tia Suzana de mãe apenas por costume, e ela não parecia se importar. Sentei-me no sofá ao lado dela e engoli em seco.
Ela acariciava a barriga enquanto trocava os canais da televisão. Pigarreei, abrindo a mochila.
Eu podia esconder aquela nota horrível dela? Podia. Mas não seria honesto da minha parte. Eu queria ser uma pessoa melhor, apesar de tudo. Queria ser alguém digno de respeito, que ela se lembrasse como um bom rapaz, não alguém que mentia e escondia coisas dela.
— O que você tem? Algum problema? — perguntou de repente.
— Recebi uma nota hoje. Uma nota baixa — confessei, e acrescentei quando a expressão dela não se alterou: — Uma nota muito ruim mesmo.
— Bem, vamos lá, me mostre essa prova.
Respirei fundo e tirei o papel dobrado da mochila. Entreguei a ela sem outra palavra.
Minha tia analisou a prova, notando as questões que eu havia esquecido de responder.
— Sabe o que eu acho?
Neguei com a cabeça, já temendo a bronca enorme.
— Que você não tá nem aí.
— É claro que eu tô! Por isso decidi te contar e mostrar a prova... — disse, sentindo meu coração acelerar e minha voz se tornar embargada. Eu evitava chorar na frente de qualquer um, mas, às vezes, apenas não conseguia evitar. Não queria que ela pensasse que não valorizava tudo o que ela fazia por mim. Tinha sido descuidado e desatencioso com aquela prova, mas não tinha sido de propósito. — Vou tentar estudar pra recuperar isso, Iza disse que vem hoje pra gente estu-
— Você não entendeu. — Ela me interrompeu. Desligou a televisão e se virou para mim. A seriedade da minha tia me assustou. — Acho que você não tá nem aí porque não gosta dessa faculdade, nunca gostou — declarou, como um tiro à queima roupa. — Por isso você não se dedica. Quando fazemos o que não gostamos, é como se um pedacinho da nossa alma morresse a cada dia.
— Ma-mas não posso simplesmente... desistir agora — argumentei, hesitante.
— Caramba, por quê não? Olhe meu exemplo... vou parir um filho tendo 40 anos. Não sou casada nem pretendo me casar. A vida não acontece como nós planejamos, Guga. Você se agarrou a essa maldita faculdade, achando que é uma coisa segura ou algo assim, mas não é. Você precisa se arriscar mais na vida, fazer o que você gosta, e tenho certeza de que vai acabar se surpreendendo, tudo vai mudar pra melhor. Quando a gente faz o que ama... — Deu de ombros. — O universo conspira a nosso favor, simples assim.
Pisquei para afastar as lágrimas dos olhos e conseguir focar minha mãe melhor. Não sabia o que dizer, muito menos o que fazer, diante do que ela tinha dito. Aquelas frases eram, ao mesmo tempo, poderosas e intimidadoras. Abandonar tudo era uma loucura. Mas será que não era justamente isso que eu precisava para me sentir... vivo?
— E como eu sei o que eu gosto de fazer?
— Ué, se conhecendo melhor. Autoconhecimento é a chave, Guguinha — aconselhou antes de se levantar com dificuldade do sofá. Ela foi para o banheiro e me deixou sozinho com uma tonelada de pensamentos.
Ela tinha me liberado. Pelo menos, foi isso o que entendi. Ela me libertou da culpa que eu sentia por não querer continuar. De acordo com o que tinha dito, eu podia começar de novo. Ela não me odiaria por isso.
Mas eu precisava descobrir o que eu queria fazer. Nos últimos tempos, o que mais chamava minha atenção? Não fazia ideia. Tinha o pensamento fixo de voar para me libertar desse mundo e nada mais. Expirei profundamente, levantando-me.
***
Izabelle não demorou para chegar. Eu já tinha tomado meu banho e jantado quando nos sentamos na cama do meu quarto. As apostilas espalhadas entre nós eram desanimadoras. A voz da minha mãe ressoava nos meus ouvidos uma e outra vez. Eu podia sentir minha alma morrendo enquanto fazia aquilo, enquanto fingia me importar com todos aqueles papéis jogados sobre o colchão.
A voz de Iza era a única coisa que me fazia focar no presente. Eu a ouvia atentamente para evitar ficar pensando se minha vida inteira seria insuportável daquele jeito.
— Qual você acha que é a resposta? — perguntou de repente, despertando-me.
— Hãn?
— Vai, Guga, letra a, b, c ou d?
Pestanejei rapidamente, tentando me lembrar qual era a questão. Eu escutava a voz dela, encantado pelo timbre e pela suavidade, e prestava atenção até na maneira que ela inclinava a cabeça para ler, mas não tinha ouvido absolutamente nada sobre a pergunta da apostila.
— Você não prestou atenção! — acusou quando não respondi.
— Desculpe. Desculpe — disse rapidamente em meio a risos quando ela fez um tubinho com a apostila e começou a me acertar.
Ela parou por um instante, com os olhos esbugalhados. — O que foi? — inquiri para sua expressão de espanto.
— Você riu — apontou simplesmente. — Ouvi você rir, Guga.
Ah, agora eu tinha entendido porquê Iza tinha se surpreendido. Eu não sorria com frequência. Muito menos, ria.
— Estou me sentindo... bem. Conversei com minha mãe.
— Sobre o quê?
Dei de ombros, sem querer entrar em detalhes. Iza respirou fundo, certamente frustrada. O silêncio se estendeu entre nós, até que eu o quebrei.
— Vou largar a faculdade, Iza — declarei em voz alta.
Ela não teve reação num primeiro momento. Apenas continuou olhando para mim com os enormes olhos castanhos. Na verdade, eu os classificaria como cor de avelã. Iza entreabriu os lábios de surpresa antes de falar.
— Tem certeza? É uma decisão radical. Corajosa, sem dúvida, mas radical.
Respirei fundo, tentando não me deixar contaminar pelo temor dela.
— Viver é se arriscar todos os dias, não é, não? Nos arriscamos saindo de casa, podendo ser atropelados ou assassinados depois de um assalto.
Ela franziu o nariz de desgosto para os meus exemplos, mas continuei:
— Caramba, nos arriscamos até quando andamos. Podemos cair, bater a cabeça e pronto. Ou quando bebemos ou comemos alguma coisa! Se a gente se engasgar, era uma vez nossa vida e...
— Tá, tá, eu entendi. Vá direto ao ponto.
— Só tô querendo dizer que... viver é arriscar. Uma coisa pode dar muito certo ou muito errado, só depende de...
Interrompi-me, olhando para ela, refletindo por um momento.
— Depende de quê? — pressionou.
— Se a vida será gentil, talvez — respondi, dando de ombros e com um meio sorriso. — Se vamos ser persistentes o suficiente para alcançar nossos sonhos.
— E por acaso você sabe qual é o seu sonho?
— Um deles, pelo menos, acho que sei.
Iza levantou as sobrancelhas, um pouco surpresa. Inspirei, embalado pelo perfume que seu cabelo exalava.
— Bem, eu acho que...
Eu nunca saberia o que ela diria em seguida, pois avancei na direção dela. A distância que havia entre nós desapareceu quando colei minha boca na dela num beijo que eu desejava há anos.
Diferente do que imaginei que aconteceria, ela não me empurrou nem me deu um tapa na cara. Os lábios dela eram macios contra os meus, mas não ousei ir mais além. Afastei-me com lentidão, avaliando cada reação dela.
Iza levou os dedos aos lábios, atônita, e abriu os olhos. Eles brilhavam com lágrimas não derramadas, e eu franzi o cenho em confusão. Será que tinha feito algo errado?
Avancei para beijá-la novamente, mas ela me interrompeu colocando uma mão no meu ombro. Meu coração disparado acelerou ainda mais. O receio do que aconteceria em seguida me sufocava.
— Não faz isso. Não faz isso comigo, Gustavo.
— Qual é o problema? Eu gosto de você, sou apaixonado por você.
— Você não gosta nem de si mesmo! Como pode gostar de mim? — inquiriu com um tom duro, surpreendendo-me. — Eu não quero ser sua tábua de salvação. Não quero ser a culpada se algum dia as coisas não derem certo entre nós e você decidir de novo que simplesmente não quer mais viver.
— Iza, eu...
Tentei falar alguma coisa, mas, ao encontrar seu olhar marejado, soube que ela tinha razão. Eu não me amava, não era feliz sozinho. O que me fazia pensar que minha vida e meu relacionamento comigo mesmo mudaria magicamente só por tê-la em outra posição?
— Não é justo você fazer isso comigo. E seria ainda menos justo se eu deixasse você fazer isso comigo — declarou, pigarreando em seguida. — Você é importante pra mim, Guga, sabe disso. Mas não me peça pra eu te amar se nem você consegue fazer isso.
Fiquei em silêncio, pensando naquela rejeição. Eu sequer tinha conseguido entender se ela gostava de mim de volta ou não. Minha cabeça fervilhava e sentia perder o equilíbrio, mesmo estando sentado na cama.
Izabelle se levantou, arrumou os papéis da apostila na mochila, olhou para mim por um instante e me deu um simples tchau. Ela saiu do meu quarto e fechou a porta atrás de si.
Engoli em seco. Minha garganta parecia se fechar, arranhava, machucava, enquanto eu lutava contra os meus sentimentos. Levantei-me da cama imaginando se aquele era o fundo do poço. Eu tinha perdido a chance de viver um romance e, quem sabe, perdido até uma grande amiga. Por que ela iria querer tendo minha amizade depois de eu tê-la beijado desse jeito? Além disso, com que cara eu olharia pra ela novamente? Mal conseguia me olhar no espelho de tanta vergonha.
Caminhei até a janela aberta e observei a rua lá embaixo. Os carros passavam, carregando as pessoas para cima e para baixo. Todos tinham seus afazeres, seus medos e anseios. Cada pessoa era um completo universo diferente da outra. Meu universo, no entanto, parecia cada vez mais vazio.
A noite escura me fazia pensar no que eu deveria fazer. Sobre a minha vida, sobre a faculdade, sobre Izabelle... Um peso na minha cabeça e nas minhas costas parecia me empurrar para baixo, deixava meu corpo mais pesado. Eu reconhecia aquelas sensações. Estava emocionalmente exausto. Talvez eu devesse tomar uma das pílulas que o psiquiatra tinha receitado. Ou, talvez, no final das contas, eu só devesse... parar de tentar ficar bem.
De que adiantaria, afinal de contas, continuar levando uma vida que eu não era nem um pouco feliz?
