

Capítulo 3
— Acho que tudo bem só experimentar.
— É claro. Toma aqui, você vai gostar.
Sara me passou o cigarrinho. Na verdade, eu sabia que era mais conhecido como baseado ou beck, mas era super estranho pensar que eu estava fumando um baseado. Preferia fantasiar, e continuar usando "cigarrinho". Peguei-o entre meus dedos e observei o trabalho rústico de quem quer que o tivesse feito. Já estava aceso, e o cheiro era um pouco enjoativo.
Todos me encaravam, como se aquele fosse um grande acontecimento. Eu não podia me importar menos, só estava interessado nas sensações que Sara tinha descrito. No entanto, também não queria passar vergonha na frente deles. Tomando coragem, envolvi o cigarro com os lábios e puxei o ar pela boca.
"Uhul", "Boa, Gustavo!", "Aêêêê", foi o que ouvi ao dar minha primeira tragada.
Senti meu corpo ser preenchido pelo vapor quente, e era um pouco estranho. Refreei a vontade imediata de tossir e expulsar aquilo tudo. Prendi a fumaça nos meus pulmões por um instante antes de relaxar e deixar que fosse embora.
Eu parecia uma chaminé. Sempre que eu via alguém fumando na rua, chamava de chaminé. E nem temos tantas chaminés assim no Brasil. Talvez só tivesse no Sul. Imaginei os sulistas caminhando e soltando vapor pela boca e pelas orelhas. Ri um pouco com o pensamento, porque era algo... simples, idiota. Surpreendi-me com aquele riso desajeitado, como o de alguém que não tinha o costume de sair rindo por aí.
— E aí, o que você achou? — Sara me despertou sei lá quanto tempo depois, e olhei para ela, pensando em como responder.
— Ainda não sei.
— Normal. — Ela riu e, por algum motivo, tive vontade de fazer o mesmo. — Vem pra cá, senta do meu lado.
Obedeci, mais interessado no cigarro que eu tinha devolvido do que na companhia dela, mas era estranhamente bom estar com aquelas pessoas que me tratavam normalmente, que não perguntavam sobre terapia, ansiedade ou depressão. Para elas, eu era apenas... eu. Gustavo. Uma pessoa comum que estava tendo um dia merda, e a Camila, por algum motivo, simpatizou comigo e me trouxe.
Sentei-me ao lado de Sara e a observei tragar profundamente. Ela tinha o cabelo amarrado num rabo de cavalo que deixava seu rosto marcante exposto. Era interessante seguir as linhas de seu rosto com o olhar.
Sara me flagrou olhando pra ela. Assisti seu sorriso lânguido se alargar enquanto me passava o baseado. Traguei uma e outra vez, fazendo o mesmo processo de prender o que eu inspirava nos pulmões. Eu sentia meu corpo inteiro relaxar, e minha mente parecia mais leve.
Quando devolvi o cigarro, Sara me checava de cima a baixo, e eu quis rir. No auge dos meus 24 anos, estava longe do corpo ideal, até porque ele não existia.
— Tá rindo por quê? — Ela quis saber. Então, talvez, eu tivesse mesmo rido, apenas não tinha exata noção disso.
— Você tava me checando — respondi, mas fiquei em dúvida de repente. Eu podia ter imaginado. — Não estava?
— Estava sim. Por quê? Não posso? Tem namorada?
Eu não tinha, apesar de, secretamente, acreditar que Iza e eu ficaríamos juntos um dia. Eu sequer tinha coragem de convidá-la pra sair, sentia medo de estragar nossa amizade, que era uma das coisas mais preciosas que eu conquistei na vida.
— Não, não tenho. Você pode, e-eu acho.
Sara lançou a cabeça para trás e gargalhou. Ela ria de mim, mas não me incomodei. Ri junto com ela, livre, leve e solto. Quando o riso dela diminuiu, notei seu olhar escuro.
Sequer fiquei nervoso quando a garota se inclinou na minha direção e colou os lábios aos meus. Acho que não pensei em coisa alguma, apenas apreciei aquela sensação. Ela se aproximou mais, e rodeei seu corpo com os braços. A pele dela era macia. Sara não parecia se importar com os movimentos estranhos que eu fazia com a língua, era um sinal de que eu não beijava com frequência.
Por um instante, quis me desculpar, mas, quando nos afastamos, foi o baseado que ocupou meus lábios, e eu não reclamaria.
***
— Meu filho, aconteceu alguma coisa? — A voz da minha mãe me sobressaltou assim que passei pela porta.
— Hum? Não, não. Tá tudo tranquilo.
— Seus olhos estão vermelhos, Guga. Você andou chorando?
— Ah... sim. Chorei, sim. Você sabe... foi mais uma crise chata de ansiedade, mas tá tudo sob controle.
— Tem certeza? Não é melhor a gente marcar uma consulta extra pra...
— Absoluta — respondi, interrompendo-a. — Tenho que aprender a lidar com essa bagunça de emoções, não acha?
— Bem, sim, mas... não tem problema pedir ajuda. Não acha?
Assenti com a cabeça, imaginando o que teria para o jantar. Queria repetir o tempo e ir novamente na hamburgueria que tinha ido com Sara e meus amigos no mês retrasado. Eu nunca tinha ficado tão satisfeito depois de uma larica.
— Guga?!
— Sim?
— Me responde. Você ficou olhando pro nada.
— Desculpa, mãe, foi mal. Eu tô meio distraído mesmo. Mas não se preocupa, não, eu tô bem. Deixa eu ir tomar um banho pra poder comer alguma coisa.
De braços cruzados, minha mãe me acompanhou com o olhar enquanto eu saía da sala. Ela não prestava tanta atenção em mim ultimamente por causa dos últimos preparativos para a chegada do bebê. Do contrário, tinha quase certeza de que ela já teria descoberto o motivo de meus olhos sempre estarem vermelhos quando eu chegava em casa.
Precisava admitir que tinha de ser mais cuidadoso, mas era difícil me lembrar disso quando eu estava fumando e curtindo com meus amigos. Minha ansiedade tinha diminuído, e com ela as taquicardias também. As sensações boas compensavam qualquer coisa, e não podia abrir mão delas, pois eu já tinha feito o teste. Quando eu parava de fumar, a ansiedade retornava, os milhares de pensamentos ruins se faziam presente novamente e eu não conseguia parar de pensar em dar um fim a tudo aquilo. Usando o que meus amigos conseguiam eu me sentia muito melhor.
O único problema, além de ter que mentir e disfarçar para minha mãe, era que precisava pagar pra usar. Como eu não trabalhava e tampouco tinha coragem de pedir dinheiro pra minha mãe o tempo todo, acabei vendendo algumas coisas que eu tinha, como jogos e tênis usados. O dinheiro que consegui com isso acabou rápido, no entanto, e eu precisava de mais. Aquela erva tão simples era como a cura de todos os meus problemas, abrandava meus sentimentos ruins e, por algum tempo, eu me sentia bem comigo mesmo.
Tomei um banho rápido e devorei o que encontrei na geladeira. Pelo menos não sentia mais falta de apetite ultimamente.
Engoli sem seco, segurando meu celular e vendo a notificação na tela. Iza tinha mandado mensagem, perguntava como eu estava. Desde que comecei a andar com meus novos amigos, não dava mais tanta atenção para ela porque eu simplesmente não tinha tempo, mas ainda nos encontrávamos em algumas aulas. O celular tocou nas minhas mãos e quase o derrubei.
— Oi, Iza — atendi a ligação.
— Guga... até que enfim consegui falar com você. Como está?
— Tô bem, tô bem.
— Hum... — Um silêncio constrangedor se estendeu entre nós. — Não tenho te visto muito ultimamente.
— Tô meio ocupado e tal, mas tá tudo bem — garanti, antes que ela desconfiasse do meu novo... "hobby", se é que podia chamar assim.
— Que bom. Quer sair?
— Sair?! Pra onde?
— Sei lá, hoje é sexta. A gente pode se encontrar naquela praça perto da sua casa...
— Não, não. Conheço um lugar melhor. Te passo o endereço por mensagem, tá?
— Tá. Te vejo daqui a pouco então.
***
Abracei Iza bem apertado assim que a encontrei. Eu sentia mais falta dela do que realmente me lembrava. Mesmo com a escuridão da noite e a pouca iluminação da rua, vi que minha amiga me olhou com o cenho franzido assim que nos afastamos.
— O que você tem?
— Nada, por quê?
— Você não costuma abraçar — apontou. E o pior era que ela não estava errada. Desviei o olhar e dei de ombros.
— Estava com saudade, só isso.
— Ah, é?! Então você bem que podia passar menos tempo com seus novos amigos.
Respirei fundo, percebendo o julgamento no tom de Izabelle. Ela não gostava deles e, secretamente, eu esperava que isso fosse ciúme.
— São gente boa, Iza. Se você desse uma chance a eles, perceberia isso — disse, andando em direção às escadas.
— Eu sei exatamente o tipo de gente que eles são — apontou baixinho, irritada. — A faculdade inteira conhece esse grupinho. Nas festas, seus amigos são chamados de "fornecedores". Fornecedores, Gustavo! E você sabe muito bem de quê — ralhou. — Por favor, me diz que você não tá usando nada.
— Não tô — menti, e Izabelle pegou meu braço e interrompeu meus passos no meio da escadaria.
— Tá falando a verdade? — Assenti. Ela respirou fundo, como se estivesse se esforçando para acreditar em mim. — Me diz pra onde a gente tá indo, esse lugar é sinistro!
— Tem uma hamburgueria massa lá em cima. E muda essa cara. O bairro só é humilde.
— Eu tô com medo daqui — disse sem rodeios.
— Pois não precisa ter, eu tô aqui com você.
Iza sorriu um pouco e agarrou meu braço para se segurar enquanto continuávamos a subir as escadas.
— Você vem muito aqui?
— Quase todas as noites — disse, e senti o olhar dela sobre mim. — A comida é muito boa.
— Sei.
Pelo tom dela, sabia não ter acreditado em mim. Era verdade que a comida era boa, mas acredito que qualquer coisa seria boa se eu comesse estando de larica. Apenas não podia deixar Iza saber disso.
Entramos na hamburgueria simples e nos sentamos. Minha amiga ficou um pouco menos nervosa ao entrar e se sentar, mas ainda observava tudo com atenção, como se fosse outro mundo.
— Como você está no estágio? — perguntei, querendo puxar assunto e deixá-la mais à vontade.
Ela deu de ombros, experimentando a batata frita.
— Bem. Estagiário sofre, mas é assim mesmo.
— É remunerado, né?
— Aham.
— Se tiver uma vaga no futuro, me indique, por favor. Preciso arrumar trabalho urgente.
— Por quê?
— Preciso de dinheiro — pontuei o óbvio.
— Ué, sua tia...
— Não posso pedir pra ela — interrompi de imediato, desviando o rosto e tomando um gole do meu refrigerante. — Tenho vergonha.
— Ah... — murmurou. — Guga, eu posso te emprestar, se quiser.
— Faria isso mesmo?
— É claro, você é meu amigo. Precisa do dinheiro pra quê? Vai fazer aquele minicurso da faculdade?
— Sim — menti sem nem titubear.
— Ah, tranquilo. Eu te empresto.
— Valeu, Iza, você é dez.
Minha amiga sorriu e disse "eu sei". Forcei um sorriso como resposta, cansado, querendo voltar pra casa. Se ela me emprestasse o dinheiro ainda hoje meu sorriso seria verdadeiro.
Terminamos nosso lanche e saímos da hamburgueria. Iza e eu conversáramos como há muito tempo não fazíamos e, apesar de eu estar "namorando" Sara, meu coração ainda acelerava por Izabelle.
Sara e eu não estávamos namorando oficialmente. Nós ficávamos juntos quando estávamos chapados, trocávamos mensagens pra nos encontrarmos com a galera e era basicamente isso. Iza não sabia, pois ela não gostava de me ver com eles, nem havia foto alguma de Sara e eu nas redes sociais. E, por mim, a situação continuaria dessa forma.
Eu estava perdido em pensamentos enquanto atravessávamos nas vielas. Eu gostava de Sara como... ser humano, ela cursava enfermagem e era muito risonha, mas eu não conseguia me conectar com ela. Acho que nunca discutimos sobre um assunto realmente relevante. Nossa interação se resumia a fumar baseado, falar besteira, rir e comer, nessa ordem. Quando estávamos sozinhos, podia acrescentar pegação na lista. Até o sexo com ela não tinha sido lá essas coisas, mas era legal.
— Por que tão seguindo a gente? — A voz de Izabelle me despertou no meio das escadas.
— Hum?
— Tem três pessoas nos seguindo! — disse com a voz trêmula.
Olhei para trás em alerta, mas tentando disfarçar. Reconheci quem estava atrás de nós no mesmo instante.
— Ah, tranquilo, eu conheço.
— Como assim??!!
Virei-me e acenei para os caras. Seria uma grosseria fingir não tê-los visto, e eu precisava manter uma boa relação com eles. Acenaram de volta e aceleraram o passo para nos alcançar. Izabelle ficou tensa imediatamente e quis pegar a mão dela para tranquilizá-la. Mas, é claro, não fiz isso.
— E aí, cadê a galera? — perguntou Diogo, um grandalhão que, não importava quão frio estivesse, só usava chinelos. O boné azul que usava todo dia também o fazia ser facilmente reconhecido.
— Vim sozinho hoje.
— Sozinho nada. Quem é sua amiga?
Prendi a respiração por um instante. Eu não queria Iza perto daquelas pessoas, por mais amigáveis que tivessem sido comigo até então.
— Izabelle, prazer — ela mesma respondeu, com a voz mais aguda que o normal.
— Nome bonito pra uma garota bonita — elogiou um cara ao lado de Diogo. Iza forçou um sorriso e disse "valeu".
— A gente já tá indo embora — disse, enfiando as mãos nos bolsos.
— Como assim?! Não vai querer nada hoje?
— Não, não. Tá tranquilo, valeu.
— Nada o quê?!
— Vamos embora, Iza.
— Não, eu quero saber. Por que eu não posso saber? — inquiriu colocando as mãos na cintura. Minha pulsação acelerou, e antes que eu pudesse convencê-la a irmos embora, Diogo falou.
— Calma, gata. A gente só fornece umas coisinhas pro seu amigo, nada de mais.
Os olhos de Izabelle se arregalaram e encontraram os meus. Desviei meu rosto, mas sabia que não teria como escapar da discussão que se seguiria. Eu queria dar um murro em Diogo, pegar Iza e simplesmente sair correndo. No entanto, não podia fazer isso. Seria pior que enfrentar a situação.
— O que eles te fornecem, Gustavo? — quis saber, entredentes. — Você tá usando drogas?
— Mais ou menos — respondi, e logo me apressei para explicar. — Só maconha, Iza, porque me ajuda a ficar calmo. As outras coisas, e-eu-
— "Só" maconha?! — interrompeu-me, furiosa, e fiquei tenso por Diogo e os outros dois caras continuarem ali. — Eu não tô acreditando nisso. Eu sabia. Tinha certeza, na verdade, de que essa sua amizade com aquele bando de drogado daria nisso! Porra, Gustavo, por que você-
— Se acalma, Izabelle, por favor! — pedi, pois ela estava chamando muita atenção, e isso era a pior coisa que ela podia fazer num lugar como aquele.
— É melhor tua amiga parar de fazer escândalo, senão a coisa vai ficar séria...
— A coisa já está super séria, e não tô fazendo escândalo nenhum. Vê se dá licença, tá, que eu não tô falando com você. Aliás, sumam daqui, vocês três, antes que eu chame a polícia!
Meu Deus do céu, Izabelle não tinha noção alguma de onde estava nem do que fazia! Engoli em seco, tentando me forçar a ter alguma atitude.
— Como é que é?! Tá doida, porra? Você não pode falar comigo assim, não. Com nenhum de nós! Aliás, seu amiguinho aqui tá devendo dinheiro pra boca, você sabia disso? E eu acabei de decidir que se ele não pagar essa desgraça agora vai terminar o dia abraçando o capeta lá no topo do morro.
— Você que tá doido se tá pensando que ele vai te dar algum dinheiro. Ele não tem onde cair morto! — declarou. Temi pela minha vida; o que era, de certa forma, paradoxal, já que nunca liguei muito para ela mesmo.
— Izabelle, por favor... — pedi com fervor, sem nem saber o que dizer para fazê-la calar a boca.
De repente, Diogo segurou o braço dela e a puxou para perto de si. Tive o impulso de interferir e protegê-la, mas os outros dois caras me seguraram.
— Quer saber, sua mimadinha do caralho? Vou fazer você aprender a me tratar direito. Vou fazer você desejar não ter nascido! — gritou, sacudindo Izabelle pelo braço, e finalmente ela parecia ver o tamanho do perigo que estava correndo. Sua expressão de pânico aumentava meu nervosismo, era sufocante vê-la tão amedrontada, mas o que eu podia fazer? Estava tão fodido quanto ela.
— Pra onde a gente leva esse daqui enquanto você fica com a garota? — perguntou um dos homens que me segurava. Meu coração estava tão acelerado de medo que podia jurar que todo mundo conseguia ouvir meus batimentos.
— Leva lá pra cima, daqui a pouco encontro vocês, só vou ensinar uma lição a essa vadia.
Izabelle já chorava a essa altura. Imaginá-la sendo machucada de qualquer forma fazia uma ira brotar no meu peito. Lutei para resistir quando começaram a me puxar, mas uma parte de mim sussurrava nos meus ouvidos de que era inútil. Talvez, de uma forma ou de outra, o pior fosse acontecer. Eu precisava tomar uma decisão rápida, antes que a situação saísse ainda mais de controle.