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Capítulo 4

     Era isso, não tinha mais jeito. Minha vida terminaria nesse exato momento. E pensar que eu tinha arrastado Izabelle pra tudo isso me deixava ainda mais culpado. Ela não deveria estar aqui nem passando por essas coisas. Iza me observava com os olhos vermelhos e cheios de lágrimas, e eu não tinha nenhuma palavra de consolo para dizer a ela.

     Engoli em seco, sem conseguir segurar as lágrimas, enquanto os dois homens me seguravam. Diogo prendia Izabelle e, por mais que ela se contorcesse, não conseguia se libertar.

     Uma parte da minha mente estava completamente silenciada, não existia mais passado ou futuro, apenas a porra do presente em que eu podia morrer. Era paradoxal sentir tanto medo de uma coisa que eu desejei e até cheguei a causar. Mas, precisava admitir, estava com medo de morrer. Um medo do caralho.

     Izabelle tinha perdido a pose de durona e chorava, aos prantos, implorando pela própria vida enquanto Diogo a arrastava para longe, para um dos becos que tinha nas escadas. Com o vento frio açoitando minhas roupas, eu, literalmente, tremia.

     — Por favor, não! Não faz isso, por favor. Eu te dou quanto dinheiro você quiser! — Ouvi Izabelle implorar a distância, e meu choro aumentou, assim como minha pulsação.

     Eu não conseguia ver absolutamente nada, mas não era difícil imaginar o que Diogo faria com ela. Olhei para um dos caras que me seguravam e pedi fervorosamente:

     — Por favor, me soltem. Vocês ainda não fizeram nada de verdade comigo, ainda não cometeram nenhum crime. Pen-pensem nas famílias de vocês, no quanto a vida de vocês ficará complicada. Não queiram ter o peso da morte de alguém nas costas. Por favor, me deixem ir.

     Eu mal conseguia enxergar os rostos deles, minhas lágrimas não permitiam, mas notei quando os dois se entreolharam.

     — A gente não pode deixar você ir. Vai acabar sendo a nossa vida na mira da arma do Diogo.

     Neguei com a cabeça, sem ter mais argumento nenhum. Era a minha vida ou a deles. Minhas lágrimas escorreram pelo meu rosto e sequer tentei afastá-las.

     Ao longe, ouvi Izabelle gritar uma e outra vez, e podia imaginá-la tentando parar o monstro que se forçava contra ela, que tentava subjugá-la de qualquer forma. Eu estremecia cada vez mais, encarando minhas mãos juntas como numa prece. Se eu pudesse, trocaria de lugar com Iza. Se eu pudesse, voltaria no tempo e nunca teria sequer chegado perto dessas pessoas. Se eu pudesse...

     O som do tiro calou meu pensamento. Calou os gritos de Izabelle. Calou qualquer ruído que ainda pudesse haver. Meu tremor parou com o assombro.

     Depois disso, houve barulho.

     Era barulho de todos os lados, vindo de todas as direções. Sirenes e mais sirenes alertaram meus agressores.

     — É a polícia, porra! É a polícia, caralho! Vamo embora, porra!

     — E o Diogo??? A gente tem que esperar.

     — Que se foda-se o Diogo, isso vai foder nossa vida! Quer voltar pra cadeia? Vamo embora!

     E assim, eles me soltaram e me empurraram nas escadas para começar a correr. Apoiei-me na parede para não sair rolando pelas escadas e entrei numa viela escura e fétida. Eu temia que Diogo me encontrasse, temia que os dois caras voltassem, temia estar no meio de uma troca de tiros entre os traficantes e a polícia como já tinha visto tantas vezes pela televisão. Eu tinha medo até de respirar.

     Depois de alguns minutos em que fiquei apenas escondido nas sombras, ouvi mais tiros, pessoas gritando, vidros sendo explodidos até que, por fim, algum silêncio. A comunidade tinha se aquietado, talvez de alívio, talvez de medo.

     Saí do meu esconderijo com passos cambaleantes. Eu sentia que ia desmaiar a qualquer minuto, mas avancei, trêmulo, até o lugar onde tinha visto Diogo levar Izabelle. Entrei na ruazinha estreita e paralisei.

     Com a roupa rasgada, o short jogado de lado e uma poça de sangue, Izabelle estava deitada ali no meio. Ela parecia uma boneca arrebentada, como se tivessem se cansado e a jogaram no lixo. Engoli em seco, aproximando-me com a pouca força que me restava. Meu peito parecia sangrar como se tivesse sido eu quem tinha levado o tiro.

     — Iza? — chamei seu nome, com a respiração entrecortada. Abaixei-me ao lado dela tentando conter o choro. — Iza, fala comigo...

     Eu não tinha coragem de tocar nela, não tinha coragem de checar sua pulsação ou tentar ver se ainda estava respirando. 

     Meus ombros estremeceram quando meu choro se tornou mais forte. Aquilo era culpa minha, eu sabia.

     — Gu-ga. — Ouvi sua voz fraca dizer.

     — Meu Deus! Izabelle, você tá me ouvindo? Você tá viva? Meu Deus.

     Saquei o celular, apegando-me à esperança que eu tinha de que ela ainda poderia ficar bem. Liguei pra SAMU e, tentando me controlar, disse onde a gente estava.

     Minutos depois, Iza estava no fundo da ambulância, e eu estava ao lado dela junto com um funcionário do hospital.

     — Eu tô aqui, Iza. Não vou sair do seu lado. Você vai ficar bem! Tá bom?

     — Tá bom — murmurou, e vi sua garganta suja de sangue se mover quando ela engoliu em seco. — E... você?

     — E eu o quê? — perguntei, afastando as lágrimas.

     — Vai ficar bem?

     Respirei fundo, arrependido por ter negligenciado minha amiga, a pessoa mais maravilhosa que eu já tinha conhecido. Se ela estava sofrendo naquele momento, era por culpa minha. Eu a tinha levado até aquele maldito lugar.

     — Sim — falei para tranquilizá-la, embora meu estado fosse a última das minhas preocupações.

     — Você promete? — insistiu.

     Abaixei a cabeça, sem querer pensar no futuro, em como eu sabia que me sentiria. De repente, a mãozinha fria de Iza encontrou a minha e deu um pequeno aperto. Talvez, tivesse usado o máximo de força que tinha conseguido.

     — Eu prometo — garanti.

     Ela sorriu minimamente. Sua expressão, apesar de exausta, tinha o olhar doce, pacífico... em paz. Ela fechou os olhos e deu um leve suspiro.

     Fiquei em alerta no mesmo momento. Olhei para o funcionário e pedi ajuda. Segurei o rosto de Iza para tentar fazê-la falar comigo.

     — Iza, você não pode dormir, estamos quase no hospital! Aguente firme! Iza? Iza???

     O funcionário me afastou, mas voltei a me aproximar da minha amiga.

     — Iza, por favor, acorde!

     — Senhor, sua amiga faleceu. Eu sinto muito.

     — Não. NÃO!!! Isso não pode ser verdade! — gritei. — Iza??? IZA, PELO AMOR DE DEUS, ACORDE! — implorei enquanto a sacudia pelos ombros.

     — Senhor, tente se controlar ou vou ter que te dar um tranquilizante!

     Eu não conseguia me controlar, eu não podia me controlar sabendo que aquela tinha sido a última vez que eu tinha conversado com Izabelle. Ainda tínhamos tantas coisas para conquistar, tantos lugares incríveis para visitar. Eu ainda tinha tanta coisa que queria dizer a ele. Precisava contar que a amava, que sentia muito, que trocaria de lugar com ela se fosse possível.

      — IZA!!! IZA, ACORDA!!! — gritei repetidamente. E num momento estava gritando para minha amiga acordar, no outro sentia uma pontada afiada e profunda no meu braço. Minha voz se tornou mais grogue, não consegui manter meus olhos abertos, e encarei Iza deitado ao lado dela enquanto entregava meu corpo ao escuro e ao silêncio que me dominavam.

***

     

     

5 anos depois...

 

     — A reforma ficou muito boa. Essa parede pintada ficou incrível, não acha, Leo? — disse minha tia, perguntando a Leonardo, meu irmãozinho do coração.

     — Ainda não está do jeito que eu quero, mas melhorou bastante.

     — Filho, está ótimo. Você se dedica tanto a esse lugar, é admirável. Estou muito orgulhosa.

     Sorri, verdadeiramente satisfeito por ser visível meu apreço pelo Instituto Girassol.

     Depois que Izabelle morreu, eu não quis continuar vivendo, mas isso era previsível. A saudade e a culpa me consumiam. No entanto, tinha feito uma promessa a ela. Prometi que ficaria bem e eu realmente tentei. Continuei meu tratamento, parei de usar drogas e me desliguei daquele meu grupo de "amigos". Mas nada era suficiente para honrar a memória da minha amiga.

     Por algum milagre, os pais dela não me culparam pelo que aconteceu, não ficaram com um remorso eterno, embora eu fosse entender se isso tivesse acontecido. Juntos, fundamos o Instituto Girassol, um lugar de apoio a todas as pessoas que passaram por situações traumáticas. Pessoas com depressão, que sofreram violência física, doméstica ou psicológica entravam e saiam todos os dias do Instituto. Minha alegria era vê-las superando os sentimentos ruins que as magoavam. Eu queria que elas superassem as fases ruins como eu tinha superado, também.

     Olhei para a parede pintada de milhares de girassóis e sorri. Todos os dias, eu sentiria falta da minha amiga, mas pensar que estava fazendo a diferença me dava forças para continuar. Eu devia isso a Izabelle, e a mim mesmo. Eu queria ser como ela, feliz apesar das circunstâncias, pegando o exemplo da sua flor favorita, que sempre acompanhava o sol, a luz, e ficava de costas para as sombras.

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Fim

Nota da autora:

Segundo a OPAS, cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, e essa é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos. 

Uma das formas de prevenção é a identificação precoce, tratamento e cuidados de pessoas com transtornos mentais ou por uso de substâncias, dores crônicas e estresse emocional agudo.

Escrevi essa história inspirada pela música Girassol. Foi a forma que encontrei de tentar ajudar todos que passam por situações difíceis e que precisam de palavras de conforto.

Lembre-se: sempre há uma solução para o problema, seja ele qual for, por mais desafiador que pareça.

Espero, sinceramente, que você tenha gostado da leitura.

Se apenas uma pessoa for tocada por essa história, já terá valido a pena.

 

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O meu propósito é escrever histórias transformadoras! ♡

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Se você quiser e achar que essa história merece, faça uma doação.

Ficarei muito grata. A obra Girassol está e sempre estará gratuita para leitura

Se quiser, comente: 

Você pode dizer se gostou da história, o que mais gostou, deixar uma palavra de conforto para alguém que está precisando ou, até mesmo, compartilhar alguma coisa que esteja te machucando.

Seja gentil com todos, que o mundo retornará a gentileza para a sua vida!

***

10 de setembro - Dia Mundial de Prevenção do Suicídio

Se você precisa de ajuda, entre em contato com o CVV (Centro de Valorização da Vida: Acesse ou ligue 188

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© 2020 por Paloma Brito | Todos os direitos reservados

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