top of page
—Pngtree—cartoon sunflower_592988.png

Capítulo 4

     — Desculpa, você tem razão. Acho melhor você não me contar nada, Iza. Sendo sincero, não estou bem ultimamente. Eu sei que você deve estar cansada de me ouvir dizendo isso, e peço perdão, mas é a verdade. Não seria justo eu mentir e me sentir pior depois.

     — Tá tudo bem, Guga. Eu... só vou pra casa, então.

     — Te vejo amanhã na aula?

     — Uhum — murmurou baixinho, virando-se e caminhando para sair da faculdade.

     Que droga, eu já me sentia péssimo por vê-la ir embora tão triste, mas não sabia o que fazer. O que Iza me contasse poderia afetar ainda mais minha cabeça, me deixar ainda mais ansioso e como eu lidaria com isso? Iria me entupir de remédio? Não queria fazer isso.

     Engoli em seco, travando um dilema interno. Se bem que, agora, já não adiantava mais. Iza ficava cada vez mais longe.

     Respirei fundo, decidindo esquecer o assunto. Seja lá qual fosse o problema, tinha certeza de que ela conseguiria resolver. Iza é forte, segura de si, e eu a admirava por isso.

***

     Um mês tinha se passado desde que eu conversara com Izabelle pela última vez. Não nos encontrávamos mais nas aulas, ela estava sempre com pressa pra ir embora, e eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Ela respondia minhas mensagens de forma evasiva e eu queria voltar no tempo e dizer que, sim, ela podia e devia me contar seus problemas. Talvez ela não confiasse mais em mim, talvez não acreditasse mais na nossa amizade, e eu nem podia culpá-la por isso. Eu tinha vacilado e estava arrependido, mas não sabia como consertar as coisas entre nós.

     Joguei-me no sofá da sala, segurando meu celular e olhando pra última mensagem que eu tinha enviado. Ela visualizou, os dois traços azuis estavam ali para provar, mas não tinha respondido.

     — Filho, o que tá fazendo aqui?

     — Hoje é sábado, não tenho aula — respondi pra minha mãe, franzindo o cenho.

     — Não, eu sei, mas é que hoje é a despedida. Eu disse a Iza que só não iria porque olha só o tamanho dessa barriga! Eu tô quase parindo — disse, rindo.

     Sentei direito no sofá e a encarei com os olhos esbugalhados. Do que ela estava falando?

     — Como assim "despedida"? Não tô entendendo nada.

     Minha mãe fez um "O" com os lábios, como se tivesse percebido que tinha falado demais. Provavelmente, nem era pra eu ficar sabendo de nada daquilo.

     — Mãe, por favor, me conta, eu preciso saber o que tá acontecendo. Iza quase não fala mais comigo, mal responde minhas mensagens e eu não tô entendendo nada. Por favor...

     Ela suspirou, colocando uma mão nos quadris para se apoiar e sentar ao meu lado no sofá.

     — Izabelle tá indo embora, Guga — declarou. Continuei olhando para ela, com tantas perguntas passando pela minha mente que nem conseguia escolher qual fazer primeiro. — Ela vai se mudar de cidade com a mãe. Ao que parece, os pais dela vão se divorciar. Ela me convidou para a despedida, pensei que tinha chamado você, também.

     Neguei com a cabeça lentamente. Ela não tinha me falado absolutamente nada. Como ela pretendia ir embora sem nem me contar?

     — Que estranho, vocês sempre foram tão amigos e contavam tudo um para o outro. Por que ela não te contou nem te convidou para a despedida? 

     — Não faço a menor ideia. Mãe, preciso ir. Preciso ir nessa tal festa e saber o que tá acontecendo. Iza não pode simplesmente ir embora.

     — Filho... 

     — Mãe, é sério, eu preciso encontrar com ela — disse, levantando-me do sofá.

     — Tá, tudo bem, mas é que a essa hora... ela já deve estar no aeroporto. A festa era um pouquinho antes, só pra se despedir dos mais íntimos mesmo.

     Parei de respirar. Em um instante de conversa, o mundo parecia ter virado de cabeça para baixo. Iza não podia ir embora, não podia partir sem se despedir de mim, sem me explicar porquê estava me evitando.

     — Mãe, preciso ir! — gritei, enquanto pegava o casaco sobre a cadeira e corria pra porta.

     — Meu Deus, tenha cuidado, meu filho! — ela gritou de volta.

     Eu corri do saguão do prédio até a rua, segurando o celular contra a orelha e ouvindo o celular de Izabelle chamar até cair na caixa postal. Não era possível que ela já estivesse no avião. Não era possível!!!

     Parei o primeiro táxi que encontrei, não tinha tempo para esperar ônibus.

     — Pra onde? — perguntou o motorista. Uma coisa boa dessa cidade é que tinha apenas um aeroporto, não erraria nisso, pelo menos.

     — Aeroporto, o mais rápido que puder! — pedi, e o motorista acelerou.

     — Acho que você esqueceu a sua mala. Pegou o passaporte?

     — Não vou viajar, tenho que impedir a minha amiga de fazer isso — expliquei, ainda ouvindo o celular de Izabelle chamar até cair.

     — Ah... — disse o homem, observando-me um tanto quanto assustado pelo retrovisor.

     Engoli em seco e coloquei o rosto entre as mãos. Os pensamentos pessimistas ameaçavam me dominar. E se eu chegasse tarde demais? E se eu nunca mais conseguisse falar com Iza? E se ela me bloqueasse em todas as redes sociais? Por que ela tinha feito isso? Eu fiz alguma coisa errada e nem me toquei, tinha sido isso. Tinha sido no dia que ela queria me contar os problemas! Eu tinha sido um idiota egoísta por negar! Que tipo de amigo fazia isso? Eu mereço estar passando por essa porra...

     A espiral de pensamentos fazia minha cabeça girar, me deixava tonto. Pedi ao motorista para ligar o rádio e colocar no volume alto. Tentei me conectar àqueles sons, que eu sequer prestava atenção. Eu só queria que eles substituíssem o que tava rolando na minha cabeça.

     — Você tá bem, garoto? Tenha calma, não vamos demorar pra chegar.

     — Sim, sim, estou sim. — Saquei o dinheiro da carteira e coloquei no banco do passageiro. Assim que o carro parasse, eu saltaria para fora e começaria a correr.

     O carro parou e fiz como tinha planejado. Atravessei as portas de entrada do aeroporto como um furacão e olhei de um lado para o outro. Só tinha gente indo e vindo em todas as direções.

     Caralho, como eu vou encontrar Izabelle nesse lugar???

     Se eu tivesse um alto-falante ou coisa do tipo até seria fácil, mas nenhum funcionário me deixaria usar o equipamento nem por um segundo. Corri pelo check-in, pelas filas da bilheteria, procurando por longos cabelos escuros.

     Não!! O que eu estava fazendo? Isso é sobre Izabelle, ela deve ter comprado as passagens há semanas só por precaução! 

     Acelerei para a área de embarque e vi alguns olhares sobre mim. Funcionários e seguranças já tinham percebido a presença de um possível lunático. Só me faltava ser preso e não conseguir falar com minha amiga por causa disso.

     Coloquei as mãos na cabeça e girei, tentando enxergar Izabelle em todos os lugares do aeroporto. Aquilo era impossível, tinha muita gente. Mas eu não aceitaria a derrota, não aceitaria não tentar tudo que estava ao meu alcance para encontrá-la.

     Subi em uma das cadeiras, assustando a mulher de meia-idade que estava ao lado. Nem me desculpei, não tinha tempo, sabia que algum segurança viria me puxar para sair dali no próximo minuto.

     — IZABELLE!!!!!! — berrei para o aeroporto inteiro ouvir. As pessoas olharam para mim com espanto. Mas isso não ajudava, não conseguiria encontrar Iza naquele mar de rostos. — IZABELLE, CADÊ VOCÊ????

     — Ei, você, desça daí, desça agora! — disse um segurança, com uma mão na cintura que eu nem quis saber se era uma arma. Seguranças de aeroporto têm armas? Nunca prestei atenção pra saber.

     Coloquei as mãos pra cima e desci da cadeira. Eu queria tentar explicar o que eu estava fazendo, mas o homem segurou meu braço e o torceu para trás das costas para me imobilizar, causando uma dor intensa e inesperada.

     — Arghhh, calma, porra! — pedi, tentando me livrar do segurança por reflexo.

     — Calado, a gente vai sair daqui agora e você vai dar explicações. E nada de gritar de novo, não vai fazer mais nenhum escândalo, ou será pior.

     — Moço, não faz nada com ele, por favor! — Ouvi a voz interceder a meu favor. Iza!!! — E-ele só tava me procurando porque... eu esqueci o passaporte! Mil desculpas, sinceramente.

     O segurança olhou de mim para ela estreitando os olhos.

     — Foi isso! Desculpa mesmo, é que ela não estava atendendo o celular e eu precisava entregar o passaporte... — confirmei a história, e o homem me soltou.

     — Nem pense em gritar de novo! Estou de olho em vocês dois.

     Assenti em confirmação de imediato. Eu nem tinha mais motivo para gritar. O que ele pensava, que eu era louco? Por mais que parecesse isso, eu não era, e estava ali por um motivo muito sério. Flexionei meu braço, tentando aliviar a dor. Assim que o segurança se afastou, capturei Iza em meus braços e a abracei.

     — Iza, que porra tá acontecendo? Minha mãe me disse que você tava indo embora, que teve uma tal festa de despedida hoje e eu tô sem entender nada e...

     — Calma, Guga, tenta respirar mais devagar — disse, afastando-se.

     Concordei e me concentrei na minha respiração. Inspira, expira. Inspira, expira.

     — Você vai me explicar, né? — insisti.

     — Sim, parece que não tem outro jeito. Vem, senta aqui.

     Nos sentamos nas cadeiras um pouco mais afastadas de todos. Algumas pessoas ainda me observavam e isso era insuportável. Por que não cuidavam das próprias vidas? Bando de bisbilhoteiro do caralho.

     — Vai, me fala — exigi.

     — Guga, meus pais tão se separando, sua tia deve ter contado a você. Minha mãe... não quer continuar aqui depois do que meu pai fez. Ele traiu ela. Ela recebeu uma proposta de emprego em outra cidade, lá em Vitória, no Espírito Santo, e nós vamos — declarou, torcendo os dedos sob o colo. — E-eu entendo ela. Não queria ter que me mudar, mas entendo o que ela tá sentindo e-

     — Não, Iza. Isso é totalmente injusto. Você não quer ir e sua mãe só tá pensando nela mesma!

     — Guga...

     — Não. Você vai pra uma cidade nova, sem ter amigo nenhum, só pra-

     — Você já foi traído? — A voz da mãe de Izabelle me sobressaltou, e me virei na cadeira. Marta segurava uma mala pequena e sua bolsa.

     Engoli em seco, encontrando o rosto abatido da mulher. Era muito mais fácil criticar alguém quando a pessoa não estava ouvindo e não poderia argumentar nada. No entanto, eu não tinha escolha agora a não ser enfrentar a situação.

     — Não, nunca — respondi. Pra ser traído primeiro era preciso ter um relacionamento amoroso com alguém, e nada sério chegou a acontecer comigo.

     — Então não sabe o que é estar na minha pele. Você não pode me julgar como uma mãe ruim por eu estar escolhendo ir embora! — vociferou.

     — Eu sei — admiti. — Mas me responda só uma coisa...

     A mãe de Iza cruzou os braços, já na defensiva, mas não me deixei abalar.

     — Você o ama? — perguntei, e aconteceu justamente como imaginei. Marta ficou sem fala. Sua reação no entanto, de não responder imediatamente, me informava tudo que eu precisava. Ela tinha dúvidas sobre o fim do relacionamento, talvez estivesse agindo mais por raiva, querendo se vingar, do que por realmente querer ir embora. — Se você ainda sente alguma coisa pelo seu marido... talvez seja melhor tentar resolver as coisas.

     — Ele me traiu! — pontuou.

     — Eu sei, e isso foi uma coisa horrível, sem dúvida, mas e agora? Você vai jogar anos de relacionamento e uma família no lixo porque é orgulhosa demais para perdoar e tentar resolver os problemas? — confrontei, arrancando um arquejo de espanto de Iza.

     — Escuta aqui, garoto... você não é ninguém pra me dar liçãozinha de moral. Izabella, diga adeus ao seu amigo e venha pro nosso portão de embarque, não quero perder o avião — ordenou, afastando-se. Iza assentiu.

     Neguei com a cabeça, perdido, derrotado. Claramente eu não a tinha convencido a ficar, e eu sabia que Izabelle não a confrontaria e decidiria morar com o pai.

     — Por que não me contou? Talvez, se eu soubesse antes...

     — Não ia mudar nada — minha amiga completou. — Não te contei porque não queria colocar esse peso nas suas costas. De que adiantaria? Só deixaria você mais ansioso.

     — Você não ia nem se despedir — acusei. — Você me evitou durante dias. Isso não se faz com um amigo. Não tem explicação. Eu ficaria muito pior se tivesse descoberto tudo isso quando você já estivesse lá, na outra cidade, e me contasse a verdade por mensagem de texto. Isso é muito frio.

     Iza teve a decência de desviar o olhar do meu rosto e encarar as sapatilhas vermelhas.

     — Ah, isso... não foi só por você. Foi por mim, também.

     — O que... o que quer dizer? — inquiri, sentindo minha pulsação acelerar.

     Ela pigarreou e engoliu em seco antes de olhar pra mim. Fiquei em alerta, atento a cada um de seus movimentos.

     — E-eu... gosto de você, Guga. Quero dizer, gosto de você mais do que só como amigo. E eu não queria continuar tendo um grande contato contigo porque eu já sabia que sofreria demais quando essa mudança acontecesse.

     — Iza... — sussurrei, surpreso. Ouvir aquelas palavras saírem da boca dela foi como um sonho sendo realizado. Eu era apaixonado por Izabelle desde que tínhamos nos conhecido. Saber que ela sentia o mesmo... era libertador, magnífico e triste, tudo ao mesmo tempo.

     — Eu fui egoísta, eu sei, mas, às vezes, a gente tem que proteger o nosso coração. Ou, pelo menos, tentar — disse com um sorriso pequeno.

     Pisquei, despertando minimamente. Precisava contar pra ela que me sentia da mesma forma, precisava aproveitar aquela oportunidade para libertar meu peito daqueles sentimentos tão intensos e antigos.

      — Iza, eu também gosto de você. Sou apaixonado por você desde que nos conhecemos! — afirmei com fervor e vi o sorriso dela se ampliar. — Me dê uma chance para te provar que isso pode ser bom pra nós dois — pedi, aproximando-me dela.

     Segurei o rosto de Izabelle o mais suavemente que pude, roçando meus dedos na sua pele macia. Eu estava ansioso para provar do sabor doce dos seus lábios, mas parei meu movimento quando ela colocou uma mão no meu ombro.

     — Não, Guga.

     Ela estava negando minha aproximação, minha intenção de beijá-la, e aquilo me feriu mais do que achei ser possível.

     — Acho que vai ser pior pra nós dois se alguma coisa acontecer, mesmo que seja só um beijo. Não quero ter essa lembrança sabendo que eu podia ter tido muito mais se eu não fosse embora.

     — Então não vá embora — pedi, sentindo um caroço na garganta ao ver o olhar de Iza tão brilhante pelas lágrimas não derramadas.

     — Foi mal. Só... não dá. Eu gostaria que as coisas fossem diferentes, acredite.

     Soltei o rosto dela e deixei minhas mãos caírem sobre o colo, vencido.

     — Eu também — admiti, sem forças sequer para me levantar da cadeira e abraçá-la uma última vez. Qual seria o sentido de fazer isso, afinal?

     "Passageiros com destino para a cidade de Vitória, no Espírito Santo, por favor, dirijam-se para o local de embarque", a voz de uma mulher soou nos alto-falantes. Aquele era o vôo de Iza, e se ela demorasse muito para ir, sua mãe viria buscá-la.

     Minha amiga se levantou ao meu lado e permaneceu ali apenas por um instante.

     — Vou sentir sua falta. Adeus, Gustavo — disse, caminhando para longe em seguida.

     Não lembrava se cheguei a respondê-la, não conseguia fazer muita coisa além de ficar sentado observando minhas próprias mãos. Fiquei daquele jeito até o saguão esvaziar.

     Sabia que precisava voltar pra casa, que deveria superar Iza e esquecê-la, mas era difícil. Durante anos, eu a amei, imaginei nós dois juntos e nunca tinha tomado a iniciativa de nem flertar com ela, muito menos tive coragem de chamá-la para sair. Bem, agora eu estava pagando o preço por ter sido tão covarde.

***

     — Qual nome você prefere, Leonardo ou Alex? — perguntou minha mãe, sentada na sua cama, ao meu lado, arrumando as roupinhas do bebê na bolsa da maternidade.

     — Leonardo — respondi.

     — Hum... por quê?

     — Não sei, acho que soa melhor, me lembra de leão, e leões são os reis da selva e tal.

     — Também gostei.

     — Ricardo não vai ajudar a escolher o nome? — eu quis saber, referindo-me ao namorado dela.

     — Se for menina, a decisão é dele. Se for menino, minha — contou, animada, alisando a barrigona.

     — Divisão interessante.

     — Só se for menino — sussurrou. — Do contrário, meu bebê se chamará Enriqueta.

     Fiz uma careta de desgosto e minha mãe me acompanhou. Rimos um pouco, algo que eu não fazia com frequência há algum tempo, desde que Iza tinha ido embora.

     Ainda nos falávamos por mensagens, é claro, mas não era a mesma coisa, principalmente porque eu sabia que não a veria mais. Isso me causava uma angústia que apertava meu peito. Segundo minha mãe, era apenas saudade e, com o tempo, passaria.

     — Ei, Guga — minha mãe chamou minha atenção. Ela fazia isso com frequência quando via meu olhar se perder no ambiente enquanto eu realizava alguma tarefa. — Por que não deixa eu terminar de dobrar as roupinhas e pede uma pizza pra gente? Tô morrendo de desejo de comer uma de calabresa.

     — A fase dos desejos não tinha passado? — perguntei, pegando meu celular do bolso da bermuda.

     — Sim... Sei lá. Mas pede aí, não quero que o bebê nasça com a cara achatada.

     Eu sorri, negando com a cabeça, e abrindo o aplicativo.

     — Vamos pedir média ou grande?

     — Grande, com refrigerante!

     Levantei as sobrancelhas de surpresa e concordei. Ela cuidava muito bem da alimentação e evitava refrigerantes e doces o máximo possível por medo de ter diabetes gestacional, algo que ela tinha me ensinado o que era. Fiz o pedido e confirmei.

     — Prontinho. Daqui a pouco nossa pizza chega. Já estamos comemorando a chegada do Leo, só que sem ele.

     Minha mãe sorriu, afagando meu braço.

     — Obrigada por estar aqui, meu filho. Não sei o que eu faria sem seu apoio. Não sou mais nenhuma mocinha, afinal.

     Neguei com a cabeça.

      — Nem precisa agradecer, mãe, muito pelo contrário. Eu te dou tanto trabalho, sinto muito não ter sido mais presente durante a gravidez.

     Ela dispensou minha preocupação com uma mão e pegou o álbum de fotos da família. Nossa família era pequena, e a maioria das fotos era minha. Logo, logo, Leo estaria ali também.

      — Vamos ver algumas fotos enquanto a pizza não chega? — sugeriu.

      — É claro.

     Aproximei-me mais e minha mãe abriu o álbum. Segundo dela, não deixaria as fotos do bebê apenas no digital, ela iria "revelar", e eu nem sabia se isso ainda existia. Onde se podia fazer isso? Se eu não estava enganado, a maior empresa que fazia esse serviço de revelação tinha falido, a Kodak, embora ter as fotos no papel fosse muito mais emocionante. Na época da mudança para o digital, ninguém parou pra pensar na falta que a foto de papel faria, igualzinho como eu tinha feito com Iza.

     Eu nunca tinha parado para pensar que alguma coisa poderia acontecer e nos afastar. Na faculdade, combinávamos de pegar as mesmas matérias, nos mesmos horários, todos os semestres. Até mesmo os estágios pretendíamos conseguir no mesmo lugar. No entanto, o tempo passou, e deixou muita coisa para trás, como a Kodak, e meus planos com Iza. Era triste perceber que eu não tinha uma foto sequer com ela. Nunca gostei de tirar foto, muito menos de postar nas redes sociais, achava uma exposição desnecessária, então não tínhamos nenhuma.

     — Ei, ei... você ainda está nesse mundo, Guga?

     — Sim, desculpa. Eu tava viajando, pensando em umas coisas.

     — Pensando em umas coisas ou em alguém?

     Encolhi os ombros e forcei um sorriso.

     — Você me conhece bem demais, mãe.

     — É claro que conheço. Você pode não ter saído de mim, como seu irmão vai, mas é meu filho, sei tudo sobre você. E consigo perceber sua carinha de saudade de longe! Por que não liga pra Iza e convida ela para passar as férias aqui em casa?

     — Não sei se ela aceitaria. Quer dizer, na última vez que nos encontramos pessoalmente, ela admitiu que estava me evitando porque queria me esquecer. Não faz sentido convidá-la.

     — Não precisa fazer sentido, você só tem que tentar, torcer, e ver o que acontece — opinou, suas sábias palavras ecoando em mim. — Você pode se surpreender com o resultado de apenas tentar.

     Inspirei, considerando. Eu podia fazer isso. Afinal, o que de pior poderia acontecer? Ela dizer não, e pronto.

     Assenti pra minha mãe e me levantei da cama.

     — Vai pra onde?

     — Lá pra sala, não vou conseguir mandar as mensagens na sua frente, sou tímido.

     Minha mãe gargalhou, fazendo a barriga balançar.

     — Que droga, eu ia pedir pra olhar a conversa!

     — Nada disso — comentei, soltando um beijo para ela enquanto saía do quarto e fechava a porta. 

     Peguei meu celular do bolso e me sentei no sofá da sala. A tela iluminada não mostrava nenhuma notificação, ninguém tinha me mandado mensagem, mas isso não me surpreendia. Respirei fundo, entrei no WhatsApp e abri o chat de Iza. Vi que ela estava online.

     Ah, droga... o plano era mandar a mensagem e esperar, pois provavelmente nem responderia, não queria que ela visse imediatamente...

     Refreei o impulso de sair do aplicativo e travar o celular. Eu tinha perdido a chande de namorar com ela por ter sido covarde, por nunca ter confessado como me sentia, não cometeria o mesmo erro!

     Ignorando o leve tremor dos meus dedos, comecei a digitar.

     "Oi, Iza. Como vc tá? Olha... eu tava pensando... Pq vc ñ vem passar as férias aqui na cidade? Vc pode ficar aqui em casa, se quiser. Me diga oq acha, tá? Beijão"

     Sem parar pra pensar, toquei na tela pra enviar. Pronto, é isso, não tem mais volta.

     Minha perna nervosa balançava enquanto eu esperava a resposta de Izabelle. A mensagem que eu tinha enviado ficou com os traços azuis quase imediatamente.

     Meu Deus, por favor, que ela responda...

     "Izabelle está digitando" apareceu na tela, e contive meu entusiasmo. Ela podia simplesmente dizer não, ou pedir pra eu nem mandar mais mensagens e parar de encher o saco dela.

     Pestanejei quando aquela frase sumiu e ela saiu do aplicativo. Sem me responder. Sem sequer dizer "oi" de volta. Aquela tinha sido uma péssima ideia...

     Recostei-me no sofá e esfreguei o rosto. Por que estava tão decepcionado? Realmente pensei que isso daria certo? Pelo visto, meu coração, além de burro, era esperançoso demais. Neguei com a cabeça, sabendo que agora era de verdade, eu precisaria esquecer que Izabelle existiu e seguir com a minha vida como eu pudesse.

     A campainha tocou e me levantei para abrir a porta. Pelo menos a pizza tinha chegado, ia chorar de barriga cheia, que é menos pior do que chorar de barriga vazia.

    Guardei o celular, peguei a carteira e abri a porta. À minha frente, a coisa mais improvável do mundo todo.

     — Iza??? — perguntei como um idiota de olhos esbugalhados. Eu precisava ouvir a voz dela pra ter certeza de que não era um clone, um robô ou sei lá. Apenas não conseguia acreditar que ela estava ali.

     — Oi — disse, sorrindo.

     — Meu Deus... Oi! O que tá fazendo aqui? Quando você chegou? Por que tá aqui?

     — Calma, Guga. Será que eu posso entrar?

     — É claro, é claro, por favor.

     Abri mais a porta e deixei Iza entrar na minha casa. Ela tirou o casaco, deixou a bolsa sobre o sofá e me encarou.

     — Sua mãe armou tudo, me chamou pra vir, mas não se preocupe, a pizza também já deve estar chegando.

     Obrigado, mãe!!!

     — Não tô entendendo nada, mas tô gostando — admiti. Iza sorriu e sentou no sofá. Sentei-me ao lado dela, resistindo ao impulso de capturar sua mão. Não sabia exatamente como estava nossa "relação".

     — Depois de ficarmos lá em Vitória e meu pai insistir muito, minha mãe decidiu reconsiderar. Voltamos pra cidade ontem. Eles vão fazer terapia de casal, vão ver se dá pra salvar o casamento. Acho que aquelas verdades que você disse na cara dela foram muito úteis, Guga.

     — Nossa... que bom! Pela primeira vez falei alguma coisa que pôde ajudar alguém! — disse, animado, e foi Izabelle que segurou minhas mãos.

     — Não gosto quando você fala assim. Você tem muita coisa útil pra transmitir pro mundo!

     Sorri, encabulado com o elogio, mas o que realmente prendia minha atenção eram as mãos de Iza nas minhas.

     — Você... voltou mesmo? De vez?

     Ela assentiu, abaixando o olhar. Tirei uma das minhas mãos das dela e afaguei seu rosto.

     — Então, não me impeça dessa vez — pedi, aproximando-me dela.

     — Nem pensei em fazer isso — confessou num sussurro.

     Acabei com a pouca distância que havia entre nós e a beijei, derramando todo sentimento que eu tinha pela minha melhor amiga, que havia se tornado muito, muito mais do que isso. De fato, a vida, às vezes, pode nos surpreender, basta a gente dar uma chance!

—Pngtree—sunflower_summer_watercolor

Fim

Nota da autora:

Segundo a OPAS, cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, e essa é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos. 

Uma das formas de prevenção é a identificação precoce, tratamento e cuidados de pessoas com transtornos mentais ou por uso de substâncias, dores crônicas e estresse emocional agudo.

Escrevi essa história inspirada pela música Girassol. Foi a forma que encontrei de tentar ajudar todos que passam por situações difíceis e que precisam de palavras de conforto.

Lembre-se: sempre há uma solução para o problema, seja ele qual for, por mais desafiador que pareça.

Espero, sinceramente, que você tenha gostado da leitura.

Se apenas uma pessoa for tocada por essa história, já terá valido a pena.

 

lettering.png

O meu propósito é escrever histórias transformadoras! ♡

Doar com PayPal

Se você quiser e achar que essa história merece, faça uma doação.

Ficarei muito grata. A obra Girassol está e sempre estará gratuita para leitura

Se quiser, comente: 

Você pode dizer se gostou da história, o que mais gostou, deixar uma palavra de conforto para alguém que está precisando ou, até mesmo, compartilhar alguma coisa que esteja te machucando.

Seja gentil com todos, que o mundo retornará a gentileza para a sua vida!

***

10 de setembro - Dia Mundial de Prevenção do Suicídio

Se você precisa de ajuda, entre em contato com o CVV (Centro de Valorização da Vida: Acesse ou ligue 188

cvv-pequeno.png

© 2020 por Paloma Brito | Todos os direitos reservados

—Pngtree—cartoon sunflower_592988.png
  • Instagram
  • YouTube
  • Facebook
  • Pinterest
  • Amazon ícone social

Quantas pessoas já visitaram essa página?

© 2020 por Paloma Brito | Todos os direitos reservados

—Pngtree—cartoon sunflower_592988.png
  • Instagram
  • YouTube
  • Facebook
  • Pinterest
  • Amazon ícone social
bottom of page