

Capítulo 4
— Eu sou seu amigo, Izabelle, quero saber o que se passa com você e ajudar, se eu puder. Você sempre fez isso por mim, por que seria diferente?
— Tá, se você tá me dizendo que tudo bem se eu contar...
— É claro. Por favor, me diga o que tá rolando — disse, enfiando as mãos nos bolsos para não deixá-la perceber que eu tinha começado a suar.
Iza olhou para baixo e se recostou no gradil. Notei os lábios dela estremecerem e fiquei em alerta para o caso de ela começar a chorar. Eu não tinha nenhum lenço para oferecer, apenas o meu ombro, o que não era grande coisa, mas talvez servisse.
— Meus pais vão se separar — murmurou, afagando os próprios braços. Fiquei mudo, sem saber o que dizer. Eu conhecia os pais dela, eram pessoas boas e pareciam muito unidos. As aparências realmente enganavam. — Eles não estavam bem já faz um tempo. Daí agora minha mãe descobriu que meu pai estava tendo um caso no trabalho e tudo foi por água abaixo.
— Meu Deus, Iza, sinto muito. Nem imagino pelo que vocês devem estar passando.
Ela balançou a cabeça, ainda com o olhar baixo.
— Ainda não acabou. Minha mãe quer se mudar de cidade e quer que eu vá com ela. Conseguiu uma proposta de emprego em outro lugar, quer um recomeço, sabe? Quer esquecer do meu pai e do tempo que vivemos aqui — disse, sem conseguir conter as lágrimas. Fiquei apreensivo. Iza não podia ir embora. — E-eu a entendo, é claro. Mas não quero ir embora, não quero recomeçar em outro lugar. Eu gosto daqui, além disso... — Interrompeu-se, engolindo em seco.
— Além disso o quê? — incentivei quando ela não continuou.
— Eu tô... — Iza levantou o rosto e me observou com os olhos brilhando. — Tô gostando de alguém, não queria me afastar.
— Ah!
Ok, isso dói. Isso dói mais do que eu tinha imaginado que doeria. Eu sabia que ela não ficaria solteira para sempre. Izabelle é linda, inteligente, alegre, tem um senso de humor legal, e era claro que, mais cedo ou mais tarde, apareceria com um namorado.
— Que foi?
— Nada, nada. Tô feliz por você. Quer dizer, feliz e triste ao mesmo tempo, já que não vai poder ficar com o cara.
— Quem disse que é um cara?
— É uma mulher?? — perguntei sem conseguir controlar meu espanto. Ual, não esperava por isso!
— Não quis dizer isso.
Ela rolou os olhos, frustrada, e não me atrevi a dizer nada, não queria ser interpretado como homofóbico nem nada do tipo.
— Tem alguma ideia do que vai fazer? Sobre sua mãe, a mudança de cidade e tal...
Iza negou com a cabeça.
— Eu queria poder parar o mundo, voltar no tempo e ajeitar tudo isso. Quando nossas vidas se tornaram um emaranhado de problemas?
Sorri um pouquinho, sem saber o que dizer ou fazer para animá-la.
— Não sei, Iza, não sei. Mas pelo menos temos um ao outro por enquanto.
Eu a segurei de lado, pelo ombro, mas ela veio para minha frente e me abraçou apertado. Ela estava com medo do que ia acontecer, temia o futuro, e eu conhecia essa sensação tão bem... pena que não sabia lidar com ela para poder ensiná-la.
— Você quer tomar sorvete?
— Está usando minha tática de distração com comida para me fazer esquecer dos problemas?
— Isso aí.
— Boa tática. Quero sim.
***
Iza e eu nos sentamos na praça de alimentação do shopping, cada um com seu sorvete. Conversamos sobre os velhos tempos, sobre séries e coisas sem importância. Eu queria viver esse momento para sempre, com Iza sorrindo e deixando o sorvete derreter pelos dedos. Eu não queria que ela fosse embora. Na verdade, não sabia se aguentaria se ela fosse embora. Quer dizer, eu não tinha ninguém além dela e da minha tia. Era egoísta pensar assim, mas ela também não queria ir, então eu não refreava esse pensamento.
— Iza, seus pais já tentaram fazer terapia de casal? Se ainda existe algum sentimento... talvez funcione.
— Não tentaram, não. Na verdade, é uma boa ideia. Meu pai disse que só teve esse maldito caso porque o casamento tinha caído na rotina, mas que ainda ama muito a minha mãe.
— Ótimo, então — disse enquanto nos levantávamos para sair da praça de alimentação e irmos embora do shopping. — Proponha isso para eles. Quem sabe, dá certo.
— Não sei, não, Guga. Como vou chegar pra eles pra falar isso?
— Ué, Izabelle, chegando. São seus pais. Se você não tem esse tipo de intimidade com eles, deveria ter! Eles vão ouvir você. Talvez, até tentem a terapia por você. Tenho certeza de que é a coisa que eles mais amam no mundo, também.
Ela sorriu, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha.
— Você acha?
— Tenho certeza — repeti.
— Então, vou tentar.
— Ótimo. Se tudo der certo, você poderá ficar aqui — alegrei-me, sentindo o sentimento passar tão rápido quanto surgiu. — E poderá ficar com seu... hum... com a pessoa que você gosta.
— Ah, sobre isso eu não sei, não. É complicado.
— Por quê? — forcei-me a perguntar. Eu não queria saber, não queria discutir sobre a vida amorosa dela sendo completamente apaixonado por ela. Mas, como amigo, eu precisava aguentar e fazer aquilo.
— Porque não sei se ele gosta de mim — respondeu, dando de ombros. Como alguém não gostaria dela?!
— Você já tentou perguntar? A pessoa não tem bola de cristal, você tem que dar sinais.
— Eu já dei!
— Você não sabe flertar, Izabella, devem ter sido péssimos sinais.
— Você também não! — acusou.
— Não estamos falando de mim — eu disse simplesmente, e ela riu um pouco, pois sabia que estava certíssima. Eu era péssimo com flerte, em manter o interesse de alguém em mim e tudo que tivesse a ver com relacionamentos amorosos.
— Então acha que devo perguntar pra pessoa que eu gosto?
Saímos do shopping e estávamos na parte dos Ubers e Táxis, aguardando o carro que vinha buscar Iza.
— É claro. O que você tem a perder? — incentivei, sentindo meu coração se partir a cada palavra. Eu preferiria que ela estivesse com outro cara, mas aqui, do que em outra cidade e sozinha. Com o tempo, quem sabe, eu conseguiria soterrar meu amor por ela. Precisaria fazer isso, na verdade, já que perder a amizade dela estava fora de cogitação.
— Muita coisa — pontuou.
— Ah, é? Tipo o quê? Ele é um vampiro e você vai precisar "morrer" pra ficar com ele pela eternidade? — abusei, levando um pequeno tapa no braço por isso.
— Eiii, eu gosto de Crepúsculo, não enche!
— Você tem 24 anos, Izabelle.
— E daí?!
Ela respirou fundo, negando com a cabeça.
— A questão é que não quero arriscar. Vou levar um não e deixar a situação super constrangedora.
— Iza, não seja como eu — aconselhei baixinho, sentindo o aperto no meu peito. — Não tenha medo de viver. Se arriscar é tipo... a regra da vida, sabe? Quando você acorda e bebe água, já está se arriscando. Você pode se engasgar e morrer. Você pode ser atropelada indo pra faculdade, enfim... nos arriscamos a todo momento, mas temos ainda mais medo de fazer o que realmente queremos, qual é o sentido disso? — Terminei de falar olhando para ela, abrindo meu coração como nunca tinha feito com alguém antes. Era difícil admitir que, lá no fundo, eu não passava de um medroso.
Izabelle piscou um par de vezes, observando-me atentamente como se o fizesse pela primeira vez. Respirei fundo, um tanto quanto envergonhado, e olhei para o outro lado, para ver se o carro dela já tinha chegado.
— Guga? — ela me chamou, e olhei para ela.
Antes que pudesse entender o que aconteceria, Izabelle se lançou na minha direção. Ela passou os braços pelo meu pescoço e encostou os lábios nos meus.
Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. A boca dela explorava a minha, que respondeu com ânimo e fervor depois do susto. Segurar seu corpo pequeno me fazia sentir um gigante, e eu queria beijar cada centímetro da sua pele. Minha língua ousou alguns movimentos, e me surpreendi ainda mais quando não fui rejeitado.
O que esse beijo significava? Eu tentava refletir enquanto a beijava, mas era impossível. Minha mente, sempre tão perturbada e barulhenta, silenciou por completo naquele momento. Sabia que os pensamentos inquietantes estavam ali, prontos para me atacar assim que eu parasse para respirar, mas a sensação de ter Iza junto a mim... me fazia querer combatê-los, me fazia querer mudar e ser uma pessoa melhor para poder estar ao lado dela, apoiando-a no que precisasse.
Eu não estava pronto para soltá-la, mas Iza se afastou. Procurei pelo seu rosto de imediato, refreando as milhares de perguntas.
— Você tem razão, não devemos ter medo de nos arriscar — disse, recuperando o fôlego. — Ah, e eu gosto de você.
Sorri, maravilhado com a surpresa que a vida tinha me dado. Meu Deus, obrigado!
— Eu gosto de você, também.
Eu a abracei apertado, querendo eternizar aquele momento na minha memória. Se eu visse um dementador algum dia, tinha certeza de que seria essa memória que usaria para fazer o patronum e me defender. E eu a guardaria no meu coração para sempre.

Fim
Nota da autora:
Segundo a OPAS, cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, e essa é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos.
Uma das formas de prevenção é a identificação precoce, tratamento e cuidados de pessoas com transtornos mentais ou por uso de substâncias, dores crônicas e estresse emocional agudo.
Escrevi essa história inspirada pela música Girassol. Foi a forma que encontrei de tentar ajudar todos que passam por situações difíceis e que precisam de palavras de conforto.
Lembre-se: sempre há uma solução para o problema, seja ele qual for, por mais desafiador que pareça.
Espero, sinceramente, que você tenha gostado da leitura.
Se apenas uma pessoa for tocada por essa história, já terá valido a pena.

O meu propósito é escrever histórias transformadoras! ♡


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10 de setembro - Dia Mundial de Prevenção do Suicídio
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