

Capítulo 4
Inspirando, afastei-me da janela.
Eu não podia cometer o mesmo erro que já tinha cometido, não podia dar tamanho desgosto para minha mãe novamente, mas, principalmente... não podia desistir de mim mesmo mais uma vez. Não queria desistir. Não agora que sabia que minha mãe não me odiaria por largar a faculdade que eu detestava, que talvez Izabelle sentia algo por mim. Por mais que suas palavras tivessem me desencorajado, seus lábios transmitiram outra coisa. Transmitiram carinho e compreensão. Eram quase familiares. Talvez ela não tivesse deixado de me afastar apenas por sentir pena, por consideração de amigo. Mas isso não importava realmente.
As palavras de Iza me fizeram entender que eu precisava gostar de mim primeiro, antes de outra pessoa fazer isso. Olhei-me no espelho rachado do meu quarto. Talvez eu estivesse vivendo os sete anos de azar da crença popular, mas o espelho tinha sido uma das poucas coisas que minha mãe biológica me deu antes de me deixar com minha tia.
Minha mãe teve uma vida perturbada. Eu não tinha sido planejado, o namorado pulou fora quando
descobriu a gravidez, ela tentou me abortar e não conseguiu...
Ela não queria ser mãe, nunca quis, mas, mesmo assim, eu nasci. Às vezes, pensava que teria sido
melhor se isso não tivesse acontecido.
O reflexo do rapaz olhou de volta para mim, com os olhos brilhantes pelas lágrimas não derramadas, mas, estranhamente, ainda opacos, como se faltasse vida neles.
Fechei os olhos, segurando-me para não socar o espelho. Eu só cortaria minha mão, e isso era estupidez. Não gostava daquele meu reflexo. Se eu fosse Izabelle, também não iria querer ter nada comigo, uma pessoa tão quebrada quanto o espelho em que eu me via. Levantei uma mão para tocar aquela peça quebrada. Acariciei as rachaduras como se fossem feridas reais, de uma pessoa real.
Minha mãe nunca tinha conseguido se curar, melhorar, e agora estava internada numa clínica. Eu não queria terminar como ela. Não queria entregar minha vida àquelas rachaduras e deixar que me engolissem para dentro do espelho, para aquela realidade diferente, onde eu não tinha controle sobre nada.
Na minha realidade, por mais difícil que fosse, eu ainda podia controlar pelo menos uma coisa: eu mesmo, e meus pensamentos. Como Iza dizia que eu deveria fazer.
Deixei as lágrimas escorrerem pelo meu rosto e continuei observando meu reflexo. Ele ficava cada vez mais turvo, até se tornar apenas um borrão de cores distintas. Deixei o choro me dominar, mas não o desespero. Eu só precisava liberar um pouco de todo aquele sentimento para, enfim... seguir em frente.
Quando me acalmei, limpei as lágrimas dos olhos e me enxerguei novamente. Minha aparência estava igual, mas, lá dentro, não estava mais. Tinha em mim o desejo de mudar, e isso era o que mais importava.
Dei as costas para o espelho, para a janela, para aquela versão de mim mesmo que queria partir.
Eu me conheceria mais, saberia o que gosto e o que não gosto.
De uma coisa eu tinha certeza, no entanto: queria voar, queria ser livre. E eu seria.
***
10 anos depois...
— Tá nervoso?
— Claro que não. Sabe quanto tempo eu planejei e esperei por isso?!
— Não faço ideia, mano — meu amigo Samuel respondeu. — Só sei que é uma loucura da porra.
— Por quê? Que parte?
— Todas as partes! — pontuou, mas sorrindo. Ele não estava chateado, só achava loucura mesmo.
— Viver é arriscar. — Dei de ombros, lembrando das palavras da minha mãe. Fazia tanto tempo que ela tinha me dito isso, mas, de alguma forma, sempre parecia que ela tinha acabado de me dizer.
— Talvez esteja arriscando demais. Isso aqui tudo foi caro. Mas você quem sabe. — A voz dele, um pouco diferente por causa do microfone, estava divertida. Sorri, acenando em concordância.
Eu sabia. Tinha certeza de que queria aquilo. Depois de voar, aquela era a segunda coisa que eu mais desejava na vida.
— Tá pronto?
— Sim — confirmei, e passei meu celular para Samuel. Olhei para baixo. — Liga pra ela, tá? Diz que logo, logo a gente se encontra.
— Tá bom.
Inspirei profundamente, deixando o ar puro preencher meus pulmões daquela maneira que me fazia querer saltar no infinito.
E foi o que fiz.
Num instante, meus pés tinham algo firme para tocar.
No outro, eu apenas caía. Entre as nuvens, entre os pássaros, entre as imensidões do mundo, da minha cabeça e do meu coração.
E caía.
E caía.
E caía.
E caía...
Até puxar da mochila o paraquedas e abrir o pilotinho. Ele inflou no ar, puxou o velame, e o vento me embalou de um lado para o outro.
Lá embaixo, em uma das casinhas perto da praia, alguém saiu pela porta para observar o que se aproximava.
Nesse momento, vi as pétalas amarelas e os girassóis caírem ao meu redor, acompanhando minha trajetória até lá embaixo, para terra firme novamente, para os braços de quem sempre fui apaixonado.
Manejei os batoques para dirigir o paraquedas, inclinei meu corpo, e caí exatamente onde queria: no quintal da casa de Izabelle.
Livrei-me do paraquedas bem a tempo de segurar Iza quando ela pulou em cima de mim. Ela agradecia pelas flores e pela surpresa enquanto seus braços envolviam meu pescoço, e senti seu coração acelerado. Ou talvez fosse o meu, que retumbava nos meus ouvidos. Quando consegui me afastar um pouco, não perdi tempo, não deixei que ela falasse nada.
No meio do quintal coberto por suas flores favoritas, ajoelhei-me.
— Você disse que a gente podia viver pra sempre junto quando...
— Meu Deus!!! Você conseguiu a bolsa da Anac? — interrompeu-me, cobrindo a boca com as mãos de surpresa. Confirmei com um sorriso. — Meu Deus, meu amor! Você vai ser piloto!
— Vou começar a estudar pra ser piloto — corrigi, ignorando o desconforto nos meus joelhos.
— Você vai ser piloto!!! — ela repetiu, e me dei por vencido pela empolgação da minha namorada.
— Sim, vou ser piloto!
— Levanta pra eu te dar outro abraço! Que incrível, Guga. Tô morrendo de orgulho de você!
— Antes disso...
Pesquei a caixinha no bolso, junto ao meu peito. Abri e mostrei o conteúdo a ela.
— As flores foram pelo seu aniversário. E isso é porque eu quero passar minha vida inteira ao seu lado.
Ela respirou fundo, olhando de mim para o anel com os olhos brilhando de lágrimas. Izabelle nem precisava responder. Eu sabia qual era sua resposta. Aquela era a mesma expressão de quando eu a pedi em namoro depois de darmos um passeio de asa-delta, na época em que eu era instrutor.
— Izabelle, quer ficar comigo para sempre?
— Sim, eu quero — sussurrou, como o vento de uma brisa leve de verão. Isso poderia representá-la, na verdade. Enquanto eu sempre fui um furacão de emoções, Iza era uma brisa, e levava tudo com tranquilidade. Ela aquietava a tormenta em mim, mas agora eu sabia controlá-la, já não permitia que me destruísse.
Talvez, a vida fosse como o vento. Sempre pode mudar de direção e nos surpreender. Apesar de toda instabilidade, é emocionante e, por mais forte que seja a ventania, sempre é possível superá-la.


Fim
Nota da autora:
Segundo a OPAS, cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, e essa é a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos.
Uma das formas de prevenção é a identificação precoce, tratamento e cuidados de pessoas com transtornos mentais ou por uso de substâncias, dores crônicas e estresse emocional agudo.
Escrevi essa história inspirada pela música Girassol. Foi a forma que encontrei de tentar ajudar todos que passam por situações difíceis e que precisam de palavras de conforto.
Lembre-se: sempre há uma solução para o problema, seja ele qual for, por mais desafiador que pareça.
Espero, sinceramente, que você tenha gostado da leitura.
Se apenas uma pessoa for tocada por essa história, já terá valido a pena.

O meu propósito é escrever histórias transformadoras! ♡


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10 de setembro - Dia Mundial de Prevenção do Suicídio
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